Dia Mundial do Meio Ambiente: Controle biológico ganha força como aliado contra as mudanças climáticas 62k4x

Fonte: Embrapa Meio Ambiente 712t1c

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Fêmea vespa Cotesia flavipes parasitando larva da broca da cana

Neste Dia Mundial do Meio Ambiente é urgente reforçarmos o alerta sobre os impactos das mudanças climáticas na agricultura — e destacar caminhos sustentáveis para enfrentá-los. Um dos mais promissores é o controle biológico, que pode ser conceituado basicamente como o uso de um ou mais organismos benéficos para combater pragas e doenças das plantas. É de extrema importância informar que o Brasil é líder mundial nesse setor, sendo o maior produtor e consumidor de agentes de biocontrole do mundo.

Desta forma, investir nessa tecnologia é estratégico para a segurança alimentar e para a saúde do planeta, pois colaborará com a redução dos impactos negativos do uso de pesticidas químicos na agricultura. Além disso, os bioagentes podem mitigar os estresses abióticos e promover o crescimento das plantas e também levar à redução do uso de fertilizantes nas principais lavouras brasileiras.

O conhecimento sobre a relação entre o ambiente e a ocorrência/severidade das doenças de plantas não é novo, mas ganhou nova dimensão com as mudanças climáticas que vêm se acentuando desde o final do século ado.

Desde 2002, a Embrapa Meio Ambiente estuda os efeitos das mudanças climáticas sobre a sanidade vegetal. No ano de 2005, a pesquisadora Raquel Ghini lançou o primeiro livro brasileiro sobre o tema (Mudanças climáticas globais e doenças de plantas, Embrapa Meio Ambiente, 2005). Em seguida Raquel Ghini e Emília Hamada da Embrapa Meio Ambiente publicaram em 2008 o livro “Mudanças climáticas: impacto sobre doenças de plantas no Brasil”. Posteriormente, Ghini, Hamada e Bettiol publicaram o livro “Impactos das mudanças climáticas sobre doenças de importantes culturas no Brasil” e, finalmente, Bettiol, Hamada, Francislene Angelotti e Ghini publicaram a obra intitulada “Aquecimento global e problemas fitossanitários”. O importante é que todos esses livros estão disponíveis gratuitamente no Portal Embrapa. Com certeza, leitura indispensável para todos os interessados na temática.

A partir de 2003 diversos projetos foram coordenados por este grupo que culminou com o Projeto “Impactos das mudanças climáticas globais sobre problemas fitossanitários – Climapest, coordenado por Raquel Ghini e com a participação de mais de 100 pesquisadores brasileiros de diferentes áreas da pesquisa agrícola, projeto desenvolvido entre os anos de 2010 a 2012. Com isso, houve um grande aprofundamento do conhecimento dos efeitos das mudanças climáticas sobre os problemas fitossanitários. A equipe sempre se baseou nos cenários traçados pelo Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Os estudos culminaram com a instalação, na Embrapa Meio Ambiente, do primeiro experimento tipo FACE (Free Air Carbon Dioxide Enrichment) na América Latina para estudar os efeitos do aumento da concentração do CO₂ atmosférico sobre a cultura do cafeeiro (desenvolvimento, produtividade, qualidade da bebida, doenças, pragas, plantas invasoras, fotossíntese e outros aspectos relacionados com a cultura), também com a participação de grande número de pesquisadores brasileiros e do exterior.

O que esses estudos mostraram, ao longo destes quase 25 anos, é preocupante: quase metade das doenças, de importantes culturas agrícolas do Brasil, deve aumentar de importância até o final deste século. Isso significa aumento de perdas na produtividade, elevação nos custos de produção e de manejo de pragas e doenças, maior uso de pesticidas e maior riscos para o produtor rural. Isso já pode ser sentido pela intensidade dos eventos extremos por que a o Brasil, desde inundações até secas prolongadas em diversas partes do país. Mas esse aumento da intensidade dos eventos extremos não é privilégio do Brasil: está ocorrendo em todos os países do planeta.

O certo, de acordo com os pesquisadores, é que cada cultura responderá de forma diferente, mas o número de patossistemas que terão sua importância aumentada tende a crescer ao longo deste século se a humanidade não tomar medidas concretas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Reconhecidamente, o triângulo das doenças — planta suscetível, patógeno virulento e ambiente propício — está sendo alterada pelo novo clima e, o pior, com vantagens para os patógenos. No Brasil, doenças como o enfezamento do milho (transmitido pela cigarrinha), o oídio e a Macrophomina phaseolina têm se tornado mais agressivas sob temperaturas elevadas.

O aumento do CO₂ e da temperatura pode tornar as plantas mais vulneráveis aos patógenos e aos insetos pragas. Os mecanismos genéticos de resistência das plantas podem ser alterados, bem como as mudanças no microclima dentro e ao redor das lavouras podem levar à intensificação dos problemas. Doenças causadas por vírus e por molicutes (um organismo próximo das bactérias) que são transmitidas por vetores tendem a se expandir mais rapidamente do que as outras, já que insetos como pulgões, tripes, moscas-brancas e cigarrinhas, os mais importantes vetores dessas doenças na agricultura, têm seu ciclo de vida reduzido pelo efeito do aumento da temperatura e consequentemente maior número de indivíduos vetores na mesma área. Esses dados estão disponíveis em um artigo de revisão publicado por Angelotti, Hamada e Bettiol em setembro de 2024, quando analisaram mais de 300 patossistemas de importantes culturas agrícolas brasileiras [Angelotti, F.; Hamada, E.; Bettiol, W.: A comprehensive review of climate change and plant diseases in Brazil (Uma revisão abrangente sobre as mudanças climáticas e as doenças de plantas no Brasil)], também disponível gratuitamente.

Além disso, todas as modalidades de controle de doenças e pragas são afetadas pelas condições climáticas. Alterações na precipitação, por exemplo, quanto à duração, intensidade e frequência de chuvas, têm efeito no controle químico — se ocorrerem no período pós-aplicação, muitos fungicidas, podem ter sua eficácia comprometida.

Para o controle biológico de doenças de plantas, as alterações na composição da atmosfera podem modificar as comunidades da microbiota da filosfera e da rizosfera (zona em volta das folhas e das raízes) das plantas.

Uma consequência direta das mudanças climáticas nas relações patógeno x hospedeiro é na resistência genética das plantas às doenças e pragas. Modificações na fisiologia da planta podem alterar os mecanismos de resistência de cultivares obtidas tanto por métodos tradicionais como por engenharia genética. Assim, tanto pode ocorrer aumento ou redução da susceptibilidade das plantas. Além disso, uma ameaça à resistência é a aceleração dos ciclos dos patógenos, que com o aumento do CO₂ e da temperatura, podem sofrer alterações em todos os seus estádios de desenvolvimento.

Os defensivos agrícolas — tanto os pesticidas químicos como os biopesticidas — podem perder a eficácia com o aumento da temperatura. Pode haver mais momentos inadequados para a aplicação de pesticidas químicos, maior degradação das moléculas componentes desses produtos e efeitos inesperados sobre a dinâmica das pragas. Em paralelo, pode ocorrer aumento no uso de pesticidas químicos e com isso acelerar a seleção de organismos resistentes aos seus princípios ativos, intensificar os impactos ambientais e comprometer a saúde do solo, que finalmente vem sendo entendida pela comunidade agrícola como fundamental para a manutenção e aumento da produtividade.

É nesse contexto que os bioinsumos despontam como uma solução eficiente e sustentável. O Brasil já é o maior produtor e consumidor mundial de agentes de biocontrole, como fungos, bactérias e vírus que combatem pragas e doenças de forma natural, eficiente e muitas vezes com menores custos. Mas precisamos avançar, e muito, e o mais complicado, rapidamente.

É urgente diversificar os microrganismos utilizados no controle biológico — hoje, apenas dois isolados dominam o mercado nacional, pois as companhias optam por cepas de organismos que possuem especificação de referência aprovada pelo Ministério da Agricultura e não desenvolvem as suas próprias cepas, levando à redução da diversidade de princípios ativos disponíveis para os agricultores.

Há necessidade de investirmos em tecnologias de produção como a fermentação líquida para redução dos custos e tempo de produção, obtendo produtos eficientes no controle das pragas e doenças. O país precisa investir fortemente no desenvolvimento de bioherbicidas, pois somos grandes usuários de herbicidas químicos e não temos alternativas economicamente viáveis para o controle das plantas invasoras em importantes culturas como a soja, a cana-de-açúcar e o milho, por exemplo.

Precisamos urgentemente desenvolver produtos biológicos eficientes para o controle da ferrugem do cafeeiro e da ferrugem asiática da soja, entre outros problemas fitossanitários. Temos que ampliar e abrir as coleções públicas de microrganismos agentes de biocontrole para o desenvolvimento conjunto de novos produtos com as empresas privadas. Sobretudo, temos que formar profissionais capacitados em controle biológico. O controle biológico precisa chegar também para os pequenos e médios agricultores (a maioria dos grandes agricultores já utiliza o controle biológico há muitos anos), portanto, os serviços públicos de extensão rural precisam ser fortalecidos e os profissionais treinados nesta modalidade de controle e também para incrementar os modelos mais sustentáveis de produção.

O controle biológico precisa também ser adaptado às mudanças climáticas. Novas cepas mais resistentes ao calor, bem como produtos biológicos que auxiliem na absorção de nutrientes, como os que aumentem a eficiência no uso de nitrogênio, e reduzam estresses abióticos precisam ser desenvolvidos.

A expectativa é que todos os grandes produtores agrícolas do Brasil usem microrganismos e outros agentes de biocontrole nas lavouras nos próximos três anos. Finalmente, acredito que os produtos biológicos ocuparão metade do mercado de pesticidas em menos de 25 anos. Essa transformação já começou. Os agricultores, por serem os mais impactados, são os primeiros a adotar práticas regenerativas como a recuperação do solo, o uso intensivo de plantas de cobertura e os sistemas integrados de produção, como lavoura-pecuária-floresta. Mas as instituições de pesquisas têm a obrigação de auxiliar nesta caminhada.

Enfrentar as mudanças climáticas, no entanto, vai além da agricultura. É um desafio que envolve toda a sociedade e exige cooperação internacional. A redução das emissões de gases de efeito estufa é urgente e temos pouquíssimo tempo, ou talvez já tenha sido esgotado inclusive, para que possamos manter a vida na Terra com qualidade. Não temos para onde fugir. Não temos outro planeta. Temos que pensar em satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazer as suas próprias necessidades.

Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, fica o chamado: agricultores, invistam na vida do solo, adotem o controle biológico e tecnologias sustentáveis. Sociedade, pressione por ações concretas para a redução das emissões de gases de efeito estufa e de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

O planeta Terra é um organismo vivo, e nossa sobrevivência depende da sua saúde. Muitos dos limites planetários que sustentam a vida na Terra já foram ultraados. Assim, cuidar do ambiente hoje é garantir a vida das futuras gerações.

Termino como uma frase de um grande amigo, Dr. Otávio Camargo: “Não temos o direito de emporcalhar a casa que nos foi gentilmente, mas apenas, cedida”.

Formado em Jornalismo, possui sólida experiência em produção textual. Atualmente, dedica-se à redação do CenárioMT, onde é responsável por criar conteúdos sobre política, economia e esporte regional. Além disso, foca em temas relacionados ao setor agro, contribuindo com análises e reportagens que abordam a importância e os desafios desse segmento essencial para Mato Grosso. Cargo: Jornalista | DRT: 0001781-MT